Se via como cego de nascença com o dom de enxergar, a olho nu, a aura das pessoas. Por mais que ele visse, não entendia o que representava aqueles contornos que estavam a sua frente.
Por seu dom ser diferente, só poderiam tentar ajudá-lo a entender o que eles viam, mas apenas ele aprenderia a dar sentido aquilo e enxergar a seu próprio modo o mundo.
Ela sentia demais, mas não entendia sentimentos, a ligação entre sintomas e a realidade, mas os sentia de uma forma quase visceral. De uma forma que a fizesse questionar se realmente fazia sentido viver e precisar sentir tudo repetidamente, sentir a dor que isso causava em seu físico, a dor das lágrimas que escorriam sem parar uma vez mais.
Coletar a percepção dos outros se tornou sua única forma de tatear esse mundo desconhecido e buscar interliga-los a sua própria maneira de sentir se tornou sua salvação.
Ela sentia demais, amava demais, odiava demais, mas não sentia nada.
Não até que tocasse seu coração e, tateando o braile cravado a ferro quente, compreendesse o que as inscrições daquela dor simbolizam no mundo que ela habitava.
Jessica Evangelista
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